O Conselho Tutelar 31 anos do Estatuto da Criança e do Adolescentes
Em 13 de Julho de 1990, após anos de grande mobilização nacional de cidadãos
comuns e da sociedade civil organizada é aprovada a Lei 8069 que visa garantir os
direitos às crianças e aos adolescentes, mudando, inclusive, a forma em que eram
vistos e tornaram-se sujeitos de direitos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) já se provou eficaz em muitas
situações em que seu público-alvo sofria diversos tipos de violações de direitos,
muitas vezes, praticadas por seus responsáveis e, por meio das medidas de proteção
previstas na Lei, o Conselho Tutelar teve autonomia para poder atuar, protegendo as
vítimas e responsabilizando os infratores.
Porém, apesar de ser um dia de festa em comemoração a tantas vitórias que
essa Lei possibilitou alcançar, há ainda muitos avanços a serem conquistados e,
especialmente, no que diz respeito à priorização e preferência na formulação e na
execução de políticas públicas, por parte do Poder Público, ainda existem muitas lutas
a serem travadas em todo o Brasil e, em São José dos Campos, a situação não é
diferente.
Como propostas de melhorias, anualmente, o Conselho Tutelar realiza uma
reunião de Colegiado, em que os quinze conselheiros do município se reúnem para
discutir os problemas que mais apareceram nos atendimentos e elaboram sugestões
de criação de equipamentos públicos, serviços municipais e políticas públicas para
serem enviadas à Câmara Municipal e, sobretudo, à Prefeitura para apreciação,
conforme determina o ECA como atribuição do Conselho Tutelar: “assessorar o Poder
Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de
atendimento dos direitos da criança e do adolescente” (art. 136, inciso IX).
Tais sugestões são embasadas nos lançamentos do Sistema de Coleta de Dados
do Conselho Tutelar que tem apresentado alguns números alarmantes que nos
desafiam e nos questionam: o que há para se comemorar?
Os artigos dessa Lei tratam de diversos temas que eram negligenciados ou
superficialmente tratados, anteriormente, e pode-se afirmar que, em muitas
frentes, o ECA garantiu importantes conquistas.
Como exemplos podem ser citados: o amplo acesso à educação pública, redução
na taxa de mortalidade materna, criação do Cadastro Nacional de Adoção, criação de
um telefone com número fácil para denúncias (Disque 100), redução da mortalidade
infantil e, até mesmo, a criação de Conselhos Tutelares, dentre outros exemplos.
Todavia, alguns indicadores apontam para a necessidade de um olhar mais
atento da sociedade e do poder público.
Os conselheiros tutelares de São José dos Campos fizeram um levantamento
dos lançamentos entre os anos de 2017 e de 2020, teo como fundamentação as
prestações de contas apresentadas em audiências públicas, e já contabilizaram os
dados de 2021 (até Junho do corrente ano). Foram selecionadas algumas violações de
direitos, as mais recorrentes, e estão apresentadas ordem numérica descrescente:
Negligência: 904 lançamentos entre Janeiro e Junho de 2021
Negligência (entre 2017 e 2020)
Direito à Saúde: 440 lançamentos entre Janeiro e Junho de 2021
Dependência Química (somatória do uso abusivo de álcool e outras drogas por
adolescentes e por responsáveis): 400 lançamentos entre Janeiro e Junho de 2021
Dependência Química (adolescentes e responsáveis):
entre 2017 e 2020
Direito à Convivência Familiar: 295 lançamentos entre Janeiro e Junho de 2021
Direito à Convivência Familiar (entre 2017 e 2020)
Violência Física: 454 lançamentos entre Janeiro e Junho de 2021
Violência Física (entre 2017 e 2020)
Violência Sexual: 491 lançamentos entre Janeiro e Junho de 2021
Violência Sexual (entre 2017 e 2020)
Direito à Educação: 191 lançamentos entre Janeiro e Junho de 2021
Direito à Educação (entre 2017 e 2021)
Violência Psicológica: 256 lançamentos entre Janeiro e Junho de 2021
Violência Psicológica (entre 2018 e 2020)
Direito à Vida: 61 lançamentos entre Janeiro e Junho de 2021
Direito à Vida (entre 2018 e 2020)
É possível observar, realizando uma breve análise dos gráficos, que
possivelmente a violação de direitos “Negligência” irá superar o ano de 2020, tendo
em vista que até o mês de Junho de 2021 já foram cadastrados no sistema de coleta
de dados 904 lançamentos, o que corresponde a 71% do que fora registrado em 2020 e
ainda faltam seis meses para o encerramento do ano. Todavia, apesar de ter
apresentado queda na quantidade de negligência em 2020, vale mencionar que foi um
ano atípico, tendo em vista a pandemia do COVID-19 que, devido às restrições de
funcionamento de alguns serviços (que não foi o caso dos Conselhos Tutelares que
atenderam todos os dias, sem interrupção do serviço) e de restrição de circulação
para conter o avanço da contaminação, a população generalizou e não procurou alguns
serviços públicos acreditando estarem fechados, dentre eles, o Conselho Tutelar.
A violação do “Direito à Saúde” ocorre quando o Poder Público não
disponibiliza profissionais da área para atendimento a crianças e adolescente, como
especialistas, por exemplo, ou quando há demora na realização de exames médicos.
Por outro lado, também são contabilizados os casos em que os genitores não
garantem a seus filhos o acompanhamento médico, deixando de levá-los às consultas
ou aos tratamentos que forem indicados pelos especialistas.
A “Dependência Química” consiste no uso abusivo de álcool e outras drogas
por adolescentes e por responsáveis e, nos últimos quatro anos (entre 2017 e 2020),
foram registrados, em média, 765 lançamentos dessa violação de direitos. São muito
importantes políticas públicas consistentes, campanhas frequentes para
sensibilização da sociedade, deliberação social para enfrentamento desse problema
que acaba trazendo outros comprometimentos pessoais e acarretando consequências
sociais.
Apesar da solução da violação do “Direito à Convivência Familiar” ser
definida pela autoridade judiciária, por meio da definição de guarda e de visitas, o
Conselho Tutelar aponta para os problemas que podem ocasionar nos filhos
decorrentes de questões más resolvidas entre os adultos.
Infelizmente, os gráficos da “Violência Física” e da “Violência Sexual”
descrevem um cenário bastante preocupante, tendo em vista que, nessa série
histórica apresentada, entre os anos de 2017 e 2020, houve aumento das ocorrências.
Mesmo 2020 tendo sido ano de pandemia os lançamentos ultrapassaram os do ano
anterior, sendo 94 casos a mais de violência física, totalizando 776 lançamentos; e 226
casos a mais de violência sexual, totalizando 764 lançamentos.
Importante mencionar que apesar de vários serviços que, tradicionalmente,
fazem o reconhecimento desses tipos de violências e comunicam o Conselho Tutelar
permaneceram fechados ou com atividades remotas, como é o caso das escolas, das
creches, das unidades da Fundhas e outras entidades sociais, ainda assim, a tendência
de aumento de um ano ao outro se manteve.
A título de comparação, considerando apenas a quantidade de lançamento de
violência física de 2017 (396 registros) e a quantidade de lançamentos de 2020 (776
registros), houve aumento de 96%.
Servindo da mesma linha de raciocínio, com relação à violência sexual, nota-se
um aumento de 92%, comparando-se 2017 (397 registros) e 2020 (764 registros).
O “Direito à Educação” teve aumento significativo em 2019 (694 registros)
quando comparado à média (428 registros em média) dos anos anteriores (2017 e
2018). Vale destacar que os Conselhos Tutelares não consideram violação de direitos a
falta de vagas em escolas que os pais têm interesse de matricular seus filhos, quando
eles já estão frequentando alguma unidade de ensino. Portanto, o direito à educação
está relacionado à falta de vagas às crianças e aos adolescentes, apesar dos genitores
terem procurado unidades escolares e, ainda assim, não obtiveram êxito para
ingressar os filhos em vaga escolar.
Não foi possível apresentar dados da “Violência Psicológica” em 2017 pois não
constava na prestação de contas daquele ano essa violação de direitos, então,
possivelmente, não estava entre as dez principais ocorrências. Na prática,
anualmente, o que geralmente ocorre é a apresentação das dez primeiras violações de
direitos.
Porém, somadas as violências domésticas (psicológica, física e sexual) o quadro
é bastante preocupante pois há um aumento de lançamentos de violência praticada
por aqueles que deveriam cuidar e proteger. Vejamos:
2018: 1318 registros
2019: 1669 registros
2020: 1952 registros
O “Direito à Vida” é violado quando há ameaça de morte ou tentativa de
suicídio, por exemplo. Apesar de não apresentar números tão elevados quanto às
demais violações mencionadas, o número é muito significativo por se tratar do
principal e mais elementar direito: à vida. A média dos anos anteriores foi de 373
lançamentos e, de forma bastante preocupante, em 2020 foram 145 casos, o que
corresponde a apenas 39% da média dos anos anteriores. Em 2021, em seis meses de
atendimentos, apenas 61 casos chegaram ao conhecimento do Conselho Tutelar.
Considerando que não houve nenhuma política pública notória nesse sentido, que
pudesse ser considerada a razão da queda dos números, e levando em conta a
pandemia, em que muitas crianças e adolescentes têm dificuldade de realizar
denúncia ou não sabem como fazê-la, pode-se afirmar que é um cenário
preocupante.
Visando, cada vez mais, aprimorar o Sistema de Coleta de Dados, que é
utilizado pelo Conselho Tutelar de São José dos Campos desde 2015, foi criado, por
iniciativa do próprio órgão, um novo sistema denominado de “TutelarSys” em que as
violações de direitos, os encaminhamentos realizados, os agentes violadores são
registrados, bem como, a elaboração de documentos interage com o setor
administrativo do Conselho Tutelar, padronizando os instrumentais utilizados pelos
três Conselhos Tutelares, sendo, portanto, um novo marco no registro das violências
e violações de direitos em São José dos Campos.
Esse é um avanço obtido pelos conselheiros tutelares que não mediram
esforços para realizarem capacitações internas para aprimoramento pessoal no uso da
nova ferramenta de trabalho e pode ser visto como um presente ao Conselho Tutelar,
em pleno aniversário do ECA.
A propósito, o Conselho Tutelar, ainda que tenha toda a demanda do cotidiano
de atendimentos, plantões, verificação de denúncias, realização de fiscalização,
participação em audiências públicas levando interesses de crianças e de adolescentes,
busca sempre se atualizar e no início do ano de 2021, por ocasião da Prestação de
Contas referente ao ano de 2020, fez o lançamento do site do Conselho Tutelar, que
veio somar com a página que o Conselho Tutelar mantém no Facebook, trazendo
informações relevantes à população e, sobretudo, promovendo o ECA.
Portanto, nesses 31 anos de Estatuto da Criança e do Adolescente pode-se
afirmar que muitas conquistas foram alcançadas mas ainda há potenciais desafios a
serem superados e vencidos e que é necessário que a sociedade tome conhecimento
da importância dessa Lei. Por isso os conselheiros procuram sempre promovê-la pois,
infelizmente, sem apoio dos governantes, devido a desconhecimento e
posicionamento contrário a ela, desconsiderando todo o histórico de luta para que
houvesse sua promulgação e os motivos de fazê-lo, tem sido cada dia mais difícil sua
popularização e aplicação na íntegra, favorecendo as crianças e os adolescentes na
garantia e consolidação de seus direitos.
Comissão de Relacionamento e Assessoria de Imprensa do Conselho Tutelar de SJCampos
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