quinta-feira, maio 20, 2021

O canto de Ossanha traidor - Coluna Carlos Brickmann


Há ocasiões em que aparece alguma novidade no Brasil. A última é que o presidente Bolsonaro se declarou imbrochável, incomível e imorrível.

A antiga Roma, capital do mundo, achava que os poetas eram mensageiros dos deuses, que lhes davam os divinos poderes de divinare, “adivinhar”. Em latim e português o poeta é chamado de “vate” – daí a palavra “vaticínio”, previsão. Ouçamos nosso poeta Vinícius de Moraes e seus vaticínios, no ótimo Canto de Ossanha: “O homem que diz sou não é”.

Por coincidência, Ossanha é o orixá das folhas milagrosas, das ervas que curam; não trata de medicamentos criados por cientistas, infectologistas, biólogos, embora os ajude com seus fitoterápicos de ervas medicinais e de folhas milagrosas. E Bolsonaro? Mais vaticínios do poeta Vinícius: “Coitado do homem que cai/ No canto de Ossanha traidor! / Coitado do homem que vai/ Atrás de mandinga de amor”. Tem coisa pior do que se deixar enfeitiçar pelo presidente de outro país, de cabelo tão laranja quanto... quanto... ah, deixa pra lá. O homem que conquistou seu coração nem mais é presidente.

Quanto a ser imorrível, só conheço um – e também falso. O Fantasma, grande personagem de quadrinhos, tinha fama de imortal, mas não era. Por 400 anos um filho substituía o pai falecido, mantendo o nome e o uniforme do Espírito que Anda. No nosso caso, os filhos todos se elegeram já usando o mesmo nome do pai; quem tentará sucedê-lo na Caverna da Caveira?

As diferenças

Os dois se declaram imorríveis, mas acabam aí as semelhanças entre ambos. Os dois andam armados, mas o Fantasma jamais teve de entregar as armas a algum assaltante. O Fantasma é dono de um tesouro incrível, mas vive modestamente e nem sabe o que é uma picanha de R$ 1.800,00 o quilo.

E, lembrei-me, há outra semelhança: ambos vivem cercados de pigmeus.

Crise anunciada

O Governo promete para agora uma linha especial de crédito na Caixa, para caminhoneiros, com taxa inferior a 55% ao ano. Convida-os a trocar seu veículo por outro mais moderno. Só que boa parte dos problemas do setor vem do excesso de caminhões e da falta de carga. Aí ocorrem as tentativas, sempre furadas, de criação de um frete mínimo, imposto pelo Governo.

Não dá certo: se um caminhoneiro está sem carga, preferirá cobrar menos a ficar parado. E há dois projetos que atingirão diretamente o transporte por caminhão: as ferrovias que, de pouquinho em pouquinho, acabam sendo concluídas e oferecem preços muito mais baixos e poluem menos; e a BR do Mar, um projeto estranho, que entrega o transporte de boa parte da produção nacional a barcos estrangeiros, e que também contribuirá para reduzir a necessidade de frete rodoviário. Os enormes caminhões para longas viagens

talvez sejam caros demais para pegar uma mercadoria no porto e levá-la ao destino, a poucos quilômetros de distância. Com esse problema, mais outro – estará pagando o caminhão, mesmo com juros baixos – é crise na certa.

Aprender é preciso

Este erro já foi cometido no governo de Dilma e foi responsável pela crise do transporte rodoviário no governo Temer e no atual duelo por preços no governo Bolsonaro. Claro: o ministro da Infraestrutura de Bolsonaro, Tarcísio Gomes de Freitas, era diretor-executivo (e mais tarde diretor-geral) do DNIT, Departamento Nacional da Infraestrutura de Transportes, no tempo da presidente Dilma.

Naquela época, como hoje, acha que está certo.

A roupa do general

Hoje deve ser divertido assistir ao depoimento do general Pazuello na CPI do Senado. Depois de longa hesitação, o general parece ter decidido vestir farda para depor – o que talvez não seja bem visto pelas Forças Armadas, já que sugere que administrou a Saúde em nome delas. Não é verdade: aliás, não administrou a Saúde nem em seu próprio nome, mas como obediente preposto do presidente Bolsonaro. Deve estar pensando em intimidar a turma da CPI.

De certa forma, é triste saber que um general depende da roupa que usa para que saibam quem é. Enfim, não se esperava que fosse de farda. Com a situação que enfrenta, no estado de nervos em que dizem que está, apostava-se que iria de terno marrom-esverdeado. Camuflagem, digamos.

A opinião do presidente

Pazuello foi ao Supremo e conseguiu decisão que o libera de falar quando o que disse possa incriminá-lo. Que pensa o presidente Bolsonaro desse tipo de depoimento? Ele já disse tudo na CPI dos Bancos, de 1999, no Governo Fernando Henrique, quando o presidente do Banco Central, Francisco Lopes, conseguiu liminar para calar-se quando as respostas o incriminassem.

Disse Bolsonaro: “Dá porrada no Chico Lopes. Eu até sou favorável a que a CPI, no caso do Chico Lopes, tivesse pau de arara lá. Ele merecia isso: pau de arara. Funciona! Eu sou favorável à tortura, tu sabe disso. E o povo é favorável a isso também”.

A Rede Bandeirantes transmitiu essa entrevista.

 

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