Vamos puxar um pouco pela memória. Gustavo Bebbiano, que chefiou a campanha de Bolsonaro, foi demitido grosseiramente e acusado de traição. O general Santos Cruz, amigo de Bolsonaro há 40 anos, foi vítima de fritura e acusado de traição. Luiz Mandetta, amigo de Bolsonaro desde o tempo em que os animais falavam (mas ainda não governavam) foi ofendido, demitido e acusado de traição. Sergio Moro, a quem Bolsonaro tanto deve, foi chutado e acusado de traição. Fábio Wajngarten, que dedicou quatro anos a Bolsonaro, foi demitido discretamente – mas já começavam os rumores de que tinha algo a ver com fabricantes de vacina (e se tivesse? Se não houve compra de vacinas, cadê a estranheza?) Wajngarten não é burro e abriu fogo em primeiro lugar. Atirou em quem insinuava algo contra ele e cuja atuação como ministro esteve abaixo da crítica. Poupou Bolsonaro. Mas quem atira nas mãos de certos ministros, Wajngarten sabe, acerta o saco do chefe.
Wajngarten não disse nada demais: só que as informações levadas a Bolsonaro pelo pessoal do Governo que deveria cuidar da Covid estavam erradas, que a Pfizer tentou vender vacinas ao Brasil e nem teve resposta, que poderíamos, se os fardados que pensavam ser médicos tivessem feito a lição de casa, começar a vacinar a população em novembro ou dezembro.
Disse, sem pronunciar essa frase, evitando culpar Bolsonaro, que parte da equipe presidencial não era capaz de nada, e outra parte era capaz de tudo.
Bem na mira
A entrevista de Wajngarten está na Veja desta semana, com sua foto na capa e o título, em letras grandes, “Exclusivo: Houve incompetência”. Não é uma reportagem comum: o autor é Policarpo Jr., profissional de prestígio, um dos principais encarregados, em Veja, de reportagens politicamente sensíveis.
Quem conhece comunicação verifica que cada palavra foi avaliada e muito bem calculada. Wajngarten se preparou com carinho, sabendo dos riscos que corria. Quando começaram a tentar fritá-lo, jogou óleo fervente na cozinha inteira. E, embora tenha eximido Bolsonaro de culpa, sabe que a pergunta agora é quem nomeou ministros que nada entendiam e os manteve sabendo que seu desempenho era pífio.
Quem nomeia ministros não é o caro leitor, não sou eu, não é o papa Francisco: é o presidente da República.
As armadilhas
A propósito, quais as pedradas que Wajngarten espera levar? A resposta está num texto obscuro, mais próximo do dilmês que do Português, em que o general Pazuello diz que muita gente se meteu onde não deveria, em busca de pixulecos. Quem se meteu nas atividades de Pazuello foi Wajngarten, mas diz que em busca de que houvesse negociações com os fabricantes de vacinas.
Um detalhe curioso: em recente cerimônia, em Manaus, Bolsonaro comboiou o general Pazuello, para mostrar-lhe seu apoio após tê-lo botado na rua. E a claque gritava “Pazuello governador”. Dois dos onze integrantes da CPI são do Amazonas e candidatos a governador. Ao apresentar Pazuello como concorrente, talvez com seu apoio, Bolsonaro o transformou em alvo.
Lições de abismo
Todas as restrições se podem fazer ao ex-deputado Eduardo Cunha, mas de Congresso ele entende. No livro Tchau, querida – diário do impeachment (Matrix Editora, R$ 99,00), Cunha, que comandou o afastamento de Dilma, diz: “Não se tira presidente, se coloca presidente”.
Traduzindo, tirar Dilma Rousseff seria difícil, mas trocar Dilma por Michel Temer, seu vice, já seria viável, ainda mais se Temer se articulasse bem com o Congresso - o que fez.
A vida é cruel
Indo mais longe, tirar Bolsonaro só por tirar é extremamente difícil. Mas, se o general Mourão, seu vice, der uma mãozinha, tudo fica mais fácil. Mourão aparentemente está quieto, sem reagir à dieta de sapos que lhe é imposta. Mas insistir em rebaixá-lo, como agora, em que nem foi consultado sobre a agenda ambiental – justo ele, que é o presidente do Conselho da Amazônia!
Vai chegar a hora em que nem sal de frutas vai mantê-lo sossegado. Bolsonaro devia ler Eduardo Cunha. Aliás, Bolsonaro devia ler.
O que falta é lealdade
Parece brincadeira: Guilherme Boulos escreveu que a família de Luís 14, rei da França, terminou na guilhotina. Por isso querem processá-lo pela Lei de Segurança Nacional. Quem me explicar onde Boulos, nesse texto, ameaça a segurança nacional, ganha de presente uma foto da Bia Kicis. O jornalista Luís Nassif e seu site, www.ggn.com.br, vêm sendo vítimas de algo que, se não for perseguição, é parecidíssimo. Esta coluna e o site Chumbo Gordo estão prontos a publicar as inacreditáveis pressões contra Nassif.
O Direito e a Inteligência artificial
Vale a pena ler: o jurista Alexandre Morais da Rosa escreve sobre um novo tema, que nos atinge a todos: a Inteligência Artificial no Direito (https://www.chumbogordo.com.br/38627-o-futuro-ja-chegou-por-alexandre-morais-da-rosa/)
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